Depois de dias de tensão, a conclusão
dos trabalhos nos círculos menores do Sínodo da família que decorre no Vaticano
trouxe também uma visão mais calma dos documentos de trabalho. Hoje os bispos
entregaram as suas propostas para «alteração e aprofundamento» do Relatio Post
Disceptationem, a fim de que seja preparada a mensagem final da Assembleia
Sinodal e o Relatio Synodi, o documento de trabalho que concluirá este sínodo e
lançará as bases de trabalho para o sínodo de 2015.
O Cardeal Christoph Schönborn foi
hoje o convidado para vir falar aos jornalistas, e convidado por um deles a
adjetivar este Sínodo que caminha para o final, destacou a sua autenticidade.
«Um Sínodo autêntico, que se está a desenvolver num sentido muito positivo,
porque é um caminho de conjunto», definiu o cardeal austríaco de Viena,
Áustria. O prelado declarou-se «surpreendido» com o interesse que o Sínodo está
a despertar nas pessoas, mas reconhece que o tema assim obriga. «Poucos temas
nos tocam tanto como o tema da família», reconheceu o cardeal. «Todos temos
pais, irmãos, primos, tios, etc, e todos sabemos que quando temos problemas, o
nosso primeiro recurso é a família», acrescentou.
Defendendo a necessidade de
«alargamento da visão da família», o cardeal reconhece que é normal haver
«tensões» no Sínodo. «Há vários aspetos a considerar: todos sabemos a doutrina,
mas todos conhecemos também a misericórdia de Jesus. Como unir as duas é a
questão permanente da Igreja, aqui e a nível local, na paróquia, onde é preciso
encontrar um equilíbrio entre a força da doutrina e a pastoral», afirma. E dá o
exemplo da indissolubilidade. «A indissolubilidade foi ensinada por Jesus não como
uma imposição, mas como uma proposta de caminho de vida, não é um ideal, é um
caminho real», diz, reconhecendo de seguida a existência de situações
irregulares, que conheceu na primeira pessoa. «Os meus pais eram divorciados,
conheço a realidade, não é a ideal, mas é uma realidade. A Igreja fala destas
situações porque são verdade, mas fá-lo com compaixão e como um convite a um
caminho de fé», sustenta o prelado.
Quanto a perspetivas de mudanças
no Catecismo da Igreja Católica, cuja mais recente edição o cardeal Schönborn
foi secretário, o prelado não se mostra confiante. «Não creio que haja
necessidade de mudanças, mas pode haver desenvolvimentos. Há 50 anos atrás, o
fenómeno das uniões de facto era impensável e por isso não foram mencionadas no
catecismo, mas hoje são uma realidade que é preciso contemplar», exemplificou, afirmando
que, também aqui, a Igreja precisa de dar uma resposta. «São uma
desinstitucionalização da família, e devemos enfrentar este novo desafio de
encontrar uma palavra para dar nestas situações. A proposta que fizemos foi no
sentido de ver esta gradualidade, não da lei, mas da vivência da lei, passo a
passo», revelou o cardeal austríaco.
Quanto à questão do acolhimento
dos homossexuais, cuja polémica se agravou com a emenda que o Vaticano fez da
tradução inglesa do relatório preliminar, para um termo mais leve de avaliação
da realidade homossexual, e não tanto de aceitação, como sugeria a primeira
versão do documento, o cardeal Schönborn não tem dúvidas sobre como enfrentar a
realidade. «Primeiro olhamos para a pessoa, não para a sua orientação sexual.
Quando o catecismo fala de acolhimento, é um comportamento básico, todos os
seres humanos têm uma dignidade antes de qualquer outra coisa. Mas isto não
significa, nem significará, que a Igreja pode dizer que o respeito pela vida
humana signifique o respeito por todos os comportamentos humanos», avisou.
«O dom fundamental da criação de
Deus é a relação entre homem e mulher, e o catecismo é muito claro. O
sentimento da homossexualidade não tem nada a ver com pecado, mas as relações homossexuais
não podem ser aceites, pois a Igreja não pode mudar de forma fundamental para
aceitar isto. Com todo o respeito pela situação, e sem saber o que estará no
documento final, posso prever que será acolhimento, que é elementar», afirmou o
cardeal Schönborn.
O Pe. Lombardi, porta-voz da
Santa Sé, anunciou na conferência de imprensa que serão disponibilizados os
textos de resumo entregues pelos círculos menores. «Em virtude de ter ido
publicado o relatório preliminar, a maioria concordou que também estes
documentos devem ser publicados», informou o sacerdote jesuíta.
O porta-voz aproveitou o encontro
com os jornalistas para transmitir um recado do cardeal Muller, que desmentia categoricamente
todas as declarações negativas que tinham sido postas a circular na comunicação
social sobre o relatório preliminar atribuídas a si, e para informar que o Papa
Francisco tinha decidido incluir na comissão que prepara o Relatio Synodi o
cardeal sul-africano Wilfrid Napier e o arcebispo australiano de Melbourne
Dennis Hart. A inclusão do cardeal africano, não sendo possível confirmar tal
situação, acaba por ir contra as declarações do cardeal Kasper reproduzidas
ontem pela agência de notícias ZENIT, onde afirmava que os bispos africanos de
países de maioria muçulmana não poderiam ser ouvidos sobre algumas das
matérias, tendo em conta a realidade que vivam nos seus países.
Texto: Ricardo Perna
Foto: News.va
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