16 de outubro de 2014

Círculos menores em contra-corrente com Relatio Post Disceptationem


Após a entrega das propostas da alteração à Relatio Post Disceptationem (RPD), é possível perceber que o documento final terá muitas alterações em relação ao texto apresentado pelo Cardeal Péter Erdò e por D. Bruno Forte. Eram 10 os grupos menores, divididos por línguas: 3 italianos, 3 ingleses, 2 franceses e 2 espanhois.

De um modo geral, parece claro, pela leitura dos relatórios de cada círculo, que foram publicados hoje pela Sala de Imprensa da Santa Sé nas línguas originais em que foram entregues, que existe uma vontade grande em mudar o sentido em que estava orientado o documento intermédio. Muitos dos grupos declararam mesmo a sua surpresa pelo impacto mediático que o documento teve, ou se quer pela sua publicação sem aprovação da parte dos padres sinodais. Esta publicação nada teve de surpreendente, conforme um dos grupos reconheceu, já que é o procedimento habitual em todos os sínodos, mas as repercussões desta divulgação ultrapassaram todas as expetativas, como tem sido reconhecido por alguns dos cardeais que têm ido à sala de imprensa falar com os jornalistas.

São várias as ideias que saltam à vista nos relatórios dos grupos. Os dois círculos de língua francesa concordam num aspeto que mais nenhum refere: a importância de dar autonomia às conferências episcopais na abordagem pastoral de alguns problemas. Se o círculo moderado pelo Cardeal Robert Sarah pede mesmo «autonomia para as igrejas locais encontrarem soluções para as preocupações pastorais que têm», o círculo menor moderado pelo Cardeal Schönborn coloca a questão de como «permitir que as conferências nacionais, regionais ou continentais tenham autonomia para resolver certas situações, sob o princípio da subsidariedade, sem colocar em causa a catolicidade ou a universalidade da Igreja?»

Este círculo questiona ainda como «conjugar doutrina e disciplina, visão dogmática e aproximação pastoral», perguntando «como conjugar o amor da verdade e da caridade pastoral de uma forma que não choque o filho mais novo ou o filho mais velho da famosa parábola relatada por Lucas?», e nessa linha propõem um estudo aprofundado da validade teológica da comunhão espiritual. «Se for credenciada, que seja mais divulgada junto dos fiéis», propõe este grupo de bispos.

Os círculos de língua francesa elogiam ainda a encíclica Humanae Vitae e denunciam a «discriminação» que alguns homossexuais sofrem, «por vezes dentro da Igreja», rejeitando, no entanto, quaisquer práticas homossexuais ou o casamento homossexual. Uma posição, aliás, que é comum a todos os círculos menores, sendo que muitos criticam a forma como a questão foi colocada no RPD.

Grupos de língua inglesa mais conservadores
A questão da necessidade da mudança de linguagem na Igreja parece unânime, já que apenas um dos círculos refere a necessidade de incluir no documento termos como "pecado", "adultério" e "conversão", enquanto quase todos os outros referem a necessidade de chegar às pessoas com uma linguagem mais «positiva».

Muitos são os círculos que referem a necessidade de mudar a II parte do relatório, tornando mais virado para Cristo e para o Magistério da Igreja e o Evangelho. «É um documento pastoral, mas que não pode ser afastado da doutrina da Igreja», referiu o grupo moderado pelo Cardeal Raymond Burke, um conservador.

No que diz respeito às questões mais polémicas, constantes nas propostas da alteração da pastoral da Igreja, três dos grupos mantêm o apoio à teoria que permite que os divorciados e recasados façam um caminho pastoral de aproximação aos sacramentos, enquanto que dois dos grupos se manifestam claramente contra esta possibilidade. É importante «estudar caminhos pelos quais, em circunstâncias particulares, um divorciado recasado possa ter acesso aos sacramentos», refere um dos círculos.

A necessidade de aposta na formação do clero é colocada em relevo por um dos círculos menores, mas nenhum se refere à maior necessidade de formação antes do matrimónio, dando indicação de que o referido no RPD satisfez os bispos sinodais. O acompanhamento pós-matrimónio, também já contemplado no RPD, merece referência de um dos círculos, que pede uma maior aposta nesta área.

Finalmente, a lei da gradualidade. Alguns dos bispos receiam que leve a uma «preguiça pastoral», e que envie uma mensagem errada aos católicos que cumprem os preceitos e os ensinamentos da Igreja Católica, receando um efeito de contágio. «Se dermos a entender que certos estilos de vida são aceitáveis, então pais preocupados poderão facilmente dizer "porque é que estamos a tentar tanto encorajar os nosso filhos a viver o Evangelho e a abraçar os ensinamentos da Igreja?"», avisam estes bispos.

Neste sentido, alguns bispos falam na necessidade de avaliar a lei da gradualidade, mas não admitem que seja aprovada a gradualidade da lei, ou seja, admitem que há elementos positivos nas uniões irregulares, mas não querem conceber que tais situações venham a ser reconhecidas pela Igreja, o que poderia acontecer, por exemplo, com o acesso aos sacramentos dos divorciados e recasados, ou de quem viva em união de facto.

Dois dos círculos menores falaram sobre a necessidade de incluir no Relatio Synodi referências à adoção, uma área que nem sempre é referida pela Igreja Católica, lembrando a beleza desta opção, a ser tomada «por pais sem filhos ou pais que já tenham filhos biológicos».

Estas propostas vão agora ser reunidas e, juntamente com o RPD, serão compiladas no Relatio Synodi, o documento que será apresentado ao Papa Francisco e anunciado como base de trabalho para o próximo Sínodo, que irá decorrer daqui a um ano. Nada do que sair no documento serão decisões, antes propostas de reflexão, conforme os responsáveis do Vaticano não se têm cansado de dizer nos últimos dias, procurando evitar a polémica que a publicação do RPD teve.


Texto: Ricardo Perna
Foto: News.va


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