29 de outubro de 2014

«Há necessidade de que se desenvolva uma nova fraternidade entre todas as famílias»


 

D. Vincenzo Paglia é o presidente do Conselho Pontifício para a Família. Em exclusivo para a Família Cristã, faz um balanço do Sínodo sobre a Família e pede que todas as famílias e comunidades se envolvam no processo de reflexão que agora se inicia, em vista do Sínodo ordinário do próximo ano.

Qual é a sua avaliação do Sínodo que se passou em Roma?
Direi que foi um acontecimento absolutamente extraordinário. E num certo sentido foi importante não apenas para a Igreja mas para todas as famílias do mundo. Poderia dizer que, sobre as costas daqueles 191 padres sinodais, realmente existia uma preocupação por todas as famílias do planeta; não somente pelas crentes, mas por todas. E eu creio que a sapiência e o olhar preventivamente avançado do Papa Francisco, que quis este longo percurso de reflexão de toda a Igreja sobre a família, deu os seus frutos. Foi um debate animado, livre, franco, em que se tocaram muitos temas – outros deverão ser ainda examinados – todavia o itinerário que se abriu no encerramento do Sínodo extraordinário é um itinerário de grande responsabilidade, além de grande interesse.

Qual será, no decurso do próximo ano, o trabalho do Conselho Pontifício para a Família sobre a Relatio Synodi, em vista à preparação do Sínodo ordinário de 2015?
O Conselho Pontifício para a Família, obviamente, está particularmente interessado na reflexão e na realização de debates múltiplos, plurais, a todos os níveis, sobre cada temática discutida durante este Sínodo. Não foi por acaso que o Sínodo quis “caminhar em conjunto”. Apesar de ter sido muito aberto, tem, todavia, que se favorecer indispensavelmente uma ulterior abertura de tal modo que as temáticas que ali foram tocadas sejam debatidas em todos os níveis. Houve debates que tiveram um caráter mais teológico, outros uma relação mais imediata com a vida pastoral, mas indubitavelmente todos somos chamados a meter no centro da nossa atenção não somente as teorias, mas também a vizinhança de todas as famílias, em relação às sãs e às feridas; às que caminham e às que coxeiam. Porque é importante que todas as famílias – mesmo as que ainda não estão marcadas pela plenitude do sacramento, ou até pela robustez de um caminho – apressem o passo e se unam numa simpatia comum de tal modo que o que já está bem amadureça plenamente. Há, pois, a necessidade de que se desenvolva uma nova fraternidade entre todas as famílias, entre as famílias crentes, entre as famílias crentes e as não-crentes, porque se volta a descobrir com clareza que a família é um património comum para toda a humanidade. 

A preparação para o matrimónio foi um dos temas discutidos no Sínodo. Como podemos integrar a pastoral do matrimónio na pastoral juvenil, catequética, privilegiando a preparação remota exigida pela Familiaris Consortio?
Todos os padres sinodais sublinharam a importância da preparação ao matrimónio, até porque o matrimónio não é uma festa, e nem é sequer um dia em que é festejado, mas é uma escolha de vida: neste sentido trata-se de fazer redescobrir que a escolha de um se casar é um chamamento, uma vocação. Ninguém se casa só para si mesmo mas para criar uma família, e para que esta família incida na sociedade e na criação. Isto significa que a preparação ao matrimónio não pode ser nem apressada nem muito menos superficial, bem pelo contrário, em minha opinião, deve representar uma ocasião para uma compreensão renovada, seja da fé, seja da vida matrimonial e familiar. Não basta por isso contentar-se com um amor romântico ou um “gostamos um do outro, ponto final”. Na realidade deve-se redescobrir a alta e difícil vocação de ser esposos, pais e promotores de ligações sociais. 

Pensa que a formação imediata ao matrimónio deva ser mais exigente?
É indispensável uma ligação dos nubentes – destes jovens que querem assumir a vida matrimonial – com a comunidade cristã. Não é possível conceber um matrimónio e uma família sem uma ligação com a comunidade cristã de referência: esta é uma das indispensáveis acentuações que devem ser promovidas. Com demasiada frequência a família anda por conta própria, como também muitas vezes a paróquia, ou a comunidade cristã, anda por conta própria. Por isso acontece que se prepara sem viver a vida da comunidade e se inicia a vida de uma nova família num ambiente onde da comunidade paroquial, ou da comunidade cristã, não se sabe nada, e nem sequer se conhece.

Em sua opinião, é justo que as dioceses exijam que os seus sacerdotes devam recusar fazer o casamento dum homem e duma mulher se estes não estiverem bem conscientes do sacramento?
Este vazio deve absolutamente ser ultrapassado e neste sentido a proposta evangélica da família não deve abaixar-se, mas deve ser sempre alta. O problema não é, se assim posso dizer, abaixar a meta, mas deve-se reforçar o acompanhamento com ela, e isto comporta um envolvimento de todos: dos esposos, dos operadores pastorais, e da própria comunidade cristã, que acolhe e acompanha cada jovem família.
É evidente então que o sacerdote ou o grupo pastoral que acolhe os jovens nubentes devam fazer crescer neles a consciência. Portanto é sempre uma perda, é uma derrota deixar cair esta questão. Nunca mandar ninguém para trás. A mecha que ainda fumega não seja apagada, mas reavivada e reativada para se tornar uma chama ardente. Por isso eu sou completamente contrário a mandar para trás, pelo contrário, deveríamos ser despachados para trás nós se não formos capazes de ajudar. 

Além da questão da preparação, muitos falaram da necessidade do acompanhamento dos casais, estejam eles em crise ou não. Como fazer isto?
Eu creio que aqui devemos redescobrir uma grande sapiência. Infelizmente muitos matrimónios, tantas famílias, rompem-se porque estão sozinhos, abandonados. Por isso nós devemos estar perto destas pessoas antes da crise, mais ainda durante a crise, e acompanhá-las esperando que obviamente tudo se resolva. Se depois sucedem fraturas devemos estar ao lado e compreender. E onde se descobre que o matrimónio não existiu, deve-se obviamente facilitar os procedimentos de nulidade, sem que isso porém signifique um alegre cancelamento. 

Como podem os sacerdotes ajudar nesta tarefa?
Estar perto dos matrimónios que se fraturam é um dos grandes desafios que o Sínodo pediu para enfrentar e que sobretudo o Papa Francisco quer que todos os pastores e compreendam. E a vizinhança faz encontrar também caminhos, se não de solução, certamente de acompanhamento. É uma arte acompanhar todos; é uma arte ainda mais sofisticada a de acompanhar os feridos. Quanto tempo é preciso para ter um doutoramento em medicina, para operar, para ajudar a manter a saúde? Eu creio que o mesmo seja necessário para acompanhar, para fazer crescer bem, para curar quando as doenças do espírito enfraquecem ou fraturam coexistências que deveriam reencontrar um novo vigor e uma nova primavera.

Entrevista: Ricardo Perna
Fotos: Ricardo Perna e News.va

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