O Relatio Post Disceptationem,
que congrega as propostas e pontos de vista que os participantes no sínodo
discutiram durante as congregações gerais da semana passada, foi hoje
publicado. Pede para que a Igreja mude para uma linguagem mais «inclusiva»,
reconhece a possibilidade de aceitar casais em união de facto ou relações entre
pessoas do mesmo sexo (sem as considerar matrimónio), e não inclui qualquer
intenção de discutir a aceitação dos métodos contracetivos.
O cardeal Peter Erdò, auxiliado
por mais seis cardeais nomeados sábado pelo Papa Francisco, terminou o relatório
sobre as propostas e ideias lançadas pelos participantes no Sínodo sobre a
Família, relatório este que vai agora servir de base para os círculos menores
que se irão reunir esta semana para debater todos os aspetos deste relatório de
uma forma setorial e mais aprofundada, em vista à elaboração de uma proposta
final, o Relatio Synodi, que será
entregue ao Papa Francisco e anunciado como base de trabalho para preparar a
assembleia ordinária do sínodo no próximo ano.
O relatório aparece dividido em
três áreas: a «escuta», em que se resumem as ideias trazidas sobre a realidade
da família nos dias de hoje; o «olhar», em que se reflete na realidade tendo
como ponto de partida Cristo e a Revelação; e a «discussão», que procura
perceber como, «sob a luz de Jesus Cristo, a Igreja e a sociedade podem renovar
o seu compromisso para com a família».
Os pontos de novidade prendem-se
com a última parte do relatório, por sinal a mais extensa. Dos 58 pontos
apresentados, 35 são na parte das propostas a apresentar. Antes disso, relevo
apenas para o entendimento que a aula sinodal tem de que, apesar de não
questionar a indissolubilidade, o matrimónio pode ser entendido à luz da lei da
gradualidade. «Através da lei da gradualidade, típica da pedagogia divina, é
possível interpretar a ligação nupcial em termos de continuidade e novidade, em
vista à Criação e à redenção. Pois até Jesus afirmou a indissolubilidade da
união entre homem e mulher, mas reconheceu a validade da decisão de Moisés que
permitiu que alguns se separassem das suas mulheres pois os seus corações
tinham sido endurecidos (Mt 19,8)». Não colocando em causa o princípio base, a
Igreja coloca a hipótese de receber casais em situações irregulares, restando
saber até que ponto irá esse acolhimento.
No ponto 22, o cardeal Edrò
refere que é preciso «aceitar as realidades do casamento civil e das uniões de
facto, respeitando as diferenças». «Quando uma união atinge um nível de estabilidade
através de um vínculo público, é caracterizada por uma afeição profunda, responsabilização
mútua na educação dos filhos, e capacidade para superar dificuldades, isso pode
ser visto como uma semente a ser alimentada e orientada num caminho em vista ao
matrimónio», refere o prelado, resumindo esta foi uma das ideias mais
difundidas pelos oradores do Sínodo. Perante a lei da gradualidade, que tem
sido tão falada no Sínodo, «não é prudente pensar em soluções únicas ou
inspiradas numa lógica de “tudo ou nada”».
Divorciados e recasados e o «caminho penitencial» de volta aos
sacramentos
Refletindo sobre a temática dos
divorciados a recasados, o cardeal Erdò escreve no relatio post disceptationem que «é preciso respeitar o sofrimento
de todos os que passaram por um divórcio ou separação injustos». Existe, desde
logo, abertura a mudanças nos processos de nulidade, conforme já tinha sido
avançado ao longo dos dias, não colocando em causa a doutrina, mas flexibilizando
todo o processo. «Entre as propostas estava o abandono da segunda confirmação do
tribunal; a possibilidade de estabelecer um processo administrativo mais rápido
sob responsabilidade do bispo diocesano; um processo sumário que poderia ser
usado em casos de nulidade; dar peso ao aspeto da fé naqueles que serão
admitidos ao casamento no que diz respeito à validade do sacramento do
matrimónio». Nunca encarando estas questões como facilitadoras de separações,
mas antes como «uma procura da verdade» acerca da validade do sacramento, a
Igreja pondera assim diminuir o número de divorciados recasados, aumentando o
número de declarações de nulidade.
Além disto, o relatio pede que haja uma nova
«linguagem» na abordagem às pessoas divorciadas recasadas. «É de evitar
qualquer linguagem que os faça sentir discriminados», diz o documento. Quanto à
questão do acesso aos sacramentos, o relatio confirma que a aula sinodal esteve
e está dividida quanto a esta matéria. «Alguns argumentaram a favor das
regulações presentes por causa da sua fundação teológica, outros estavam a
favor de uma maior abertura em circunstância muito específicas quando se lidem
com situações que não se podem resolver sem criar novas injustiças e mais
sofrimento», diz o cardeal. Nessa linha, adianta o relatório, «o acesso aos
sacramentos, para alguns casos, pode ser dado após a realização de um caminho
penitencial – sob a responsabilidade do bispo diocesano». «Esta não seria uma
solução para todos, mas fruto do discernimento aplicado caso a caso, de acordo
com a lei da gradualidade, que diferencia o estado do pecado, o estado de graça
e as circunstâncias atenuantes», pode ler-se no documento.
Até porque, questionaram os pares
sinodais nas suas intervenções, «se a comunhão espiritual é possível, porque
não deixá-los tomar parte no sacramento?» Neste sentido, o relatio aponta a necessidade de «um estudo mais aprofundado» sobre
o assunto.
Métodos contracetivos fora de equação
Apesar das intervenções de casais
que deram testemunho sobre a possibilidade de uma abertura à vida com a
utilização de métodos contracetivos, o relatio não incluiu nenhuma referência a
essa possibilidade, ficando por saber se o irão fazer agora nos círculos menores.
O aumento do conhecimento sobre os métodos naturais (e o desenvolvimento dos mesmos, que permitem ter uma taxa de eficácia semelhante ou superior à dos métodos contracetivos) facilita que essa proposta faça cada vez mais sentido, pelo que os bispos limitaram-se a reforçar que «a abertura à vida é um requisito intrínseco de um casamento de amor», e a recomendar um «ensinamento adequado dos métodos naturais», reforçando a ideia, passada por alguns dos oradores, de que a visão do planeamento familiar natural carecia de muita informação aos fiéis, mais do que mudanças. O relatio sugere o retorno à mensagem de Paulo VI na Humanae Vitae que «sublinhava a necessidade de respeitar a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de controlo da natalidade».
O aumento do conhecimento sobre os métodos naturais (e o desenvolvimento dos mesmos, que permitem ter uma taxa de eficácia semelhante ou superior à dos métodos contracetivos) facilita que essa proposta faça cada vez mais sentido, pelo que os bispos limitaram-se a reforçar que «a abertura à vida é um requisito intrínseco de um casamento de amor», e a recomendar um «ensinamento adequado dos métodos naturais», reforçando a ideia, passada por alguns dos oradores, de que a visão do planeamento familiar natural carecia de muita informação aos fiéis, mais do que mudanças. O relatio sugere o retorno à mensagem de Paulo VI na Humanae Vitae que «sublinhava a necessidade de respeitar a dignidade da pessoa na avaliação moral dos métodos de controlo da natalidade».
Famílias poderão dar formação ao clero
As propostas passam por um
anúncio mais eficaz do «evangelho da Família», não só pelos sacerdotes, mas
pelas próprias famílias. «Evangelizar é uma responsabilidade de todo o povo de
Deus. Sem o testemunho alegre de esposos e famílias, esse anúncio, mesmo que
correto, arrisca-se a ser mal entendido ou ultrapassado pelo oceano de palavras
que é característico da nossa sociedade». Os pares sinodais exortaram as famílias
a serem «agentes ativos» de pastoral da família.
Isto pressupõe, segundo
relator-geral do Sínodo, uma «conversão missionária». «Não podemos parar num
anúncio meramente teórico e que não se relaciona com os problemas das pessoas»,
diz o prelado no seu relatório. Esta exigência deve estar também na preparação
para o matrimónio, mas sem «criar dificuldades e sem complicar os ciclos de
formação». Apesar de sugerir «um enraizamento da preparação para o matrimónio
nos sacramentos de iniciação cristã» e de pedir «programas específicos de
preparação para o matrimónio que sejam verdadeiras experiências de participação
na vida eclesial e que estudem de perto os aspetos mais relevantes da vida familiar»,
fica por saber como é possível conceber isto sem mexer nos ciclos de formação,
que o cardeal Erdò e a sua equipa sugeriram não ser «complicados».
Onde há novidade é no ponto 32,
que insiste na necessidade da formação do clero e dos agentes pastorais, e quer
implicar as próprias famílias nesse processo de formação, algo até hoje poucas vezes
sugerido, principalmente no que diz respeito aos membros do clero. Para além
disso, o documento reforça a necessidade de um acompanhamento dos casais
pós-matrimónio, através da ajuda de casais mais experientes, «liturgias
adequadas, práticas devocionais e eucaristias celebradas para as famílias»,
aspetos que foram elencados pelos padres sinodais como passíveis de «favorecer
a evangelização dentro da família».
Homossexuais acolhidos nas comunidades
O relatio questiona a capacidade de cada comunidade receber e
valorizar «as dádivas e qualidades» que os homossexuais «têm para oferecer às
comunidades cristãs». «São as nossas comunidades capazes de aceitar e valorizar
a sua orientação sem colocarem em causa a doutrina católica sobre a família e o
matrimónio?», questiona o documento.
O relatório reafirma que «uniões
entre pessoas do mesmo sexo não podem ser consideradas ao mesmo nível que o
matrimónio entre um homem e uma mulher», e deixam críticas a quem pretende
impor o contrário. «Não é aceitável que se pressione a Igreja ou os seus
pastores ou que se faça depender financiamentos internacionais com base na
introdução de regulações baseadas na ideologia de género», avisa o cardeal Erdò
no seu relatório.
Com base neste relatório, os bispos irão agora trabalhar em círculos menores, aprofundando todos estes temas, a fim de que, no final da semana, seja elaborado e apresentado ao Papa o Relatio Synodi, o documento que servirá para concluir os trabalhos deste Sínodo e preparar o caminho para o Sínodo do próximo ano, que foi convocado hoje oficialmente pelo Papa Francisco para o Vaticano, de 4 a 25 de outubro de 2015.
Com base neste relatório, os bispos irão agora trabalhar em círculos menores, aprofundando todos estes temas, a fim de que, no final da semana, seja elaborado e apresentado ao Papa o Relatio Synodi, o documento que servirá para concluir os trabalhos deste Sínodo e preparar o caminho para o Sínodo do próximo ano, que foi convocado hoje oficialmente pelo Papa Francisco para o Vaticano, de 4 a 25 de outubro de 2015.
Texto: Ricardo Perna
Foto: News.va
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